Oficina da Crônica

fevereiro 12, 2010

CARNAVAL DE ANTIGAMENTE

Filed under: 2010.01 workshop — literarea @ 12:34 pm

Carnaval bom era o de antigamente, penso; só penso, não falo nem comigo mesma, se me ouvem vão dizer que a velha está com Alzheimer e me internam. Mas é verdade, tenho fotos em algum lugar, se os pestinhas dos meus bisnetos não destruíram.

O Rio naquele tempo era outro, bem diferente de hoje em dia. Paisagem linda, praia limpa, pouca violência. Eu saía com minhas amigas para a praia, um barzinho, meus pais dormiam tranquilos, não tinha perigo nenhum. Anos depois, minha filha nervosa sem saber o que podia acontecer quando meus netos saiam, com os meus bisnetos pior ainda, hoje os pestinhas nunca saem do Condomínio, nem conhecem direito o Rio.

E o Carnaval era assim, três dias de folia e brincadeira, eu e minhas amigas, fantasias produzidas, os rapazes abordavam mas a gente só queria saber de se divertir, pular e dançar, beber um pouquinho, claro, mas nada excessivo.

Não posso nem falar, contar coisas do Rio antigo, os netos vão achar que estou mentindo. Minha filha não, ela ainda viveu um pouco deste tempo bom. Colocava uma fantasia nela e íamos, eu, meu marido e ela, ver o Carnaval de rua, os blocos, ela morria de medo das máscaras, meu marido me abraçava e dizia “lembra que a gente se conheceu no Carnaval?” como eu ia esquecer, não esqueço nunca aquele Carnaval.

Nem mesmo depois que ele foi morto pelo governo eu deixei de levar minha filha para ver os blocos, saudade louca dele, ainda sinto, sempre vou sentir, basta fechar os olhos e vejo.

Hoje não tem mais aquela pureza, aquela alegria autêntica, é tudo falso e artificial. Vejo, ouço meus netos falarem, tenho medo de sair nestes dias de Carnaval, a cidade fica entregue, o jornal só fala em mortes e conflitos. Ouço o barulho na rua e não tenho coragem nem de ir até a janela, quanto mais até a rua.

O barulho da rua está maior, deve ser um bloco enorme cercando o prédio. Os gritos me apavoram. Mas não quero deixar este bairro por nada, nasci aqui, conheci meu marido neste bloco, prefiro morrer aqui do que me enterrar nestes Condomínios distantes. Depois que meus netos levaram minha filha para morar com eles eu sei que ela está morrendo aos poucos, quem mandou vender o apartamento quando meu genro morreu e dividir o dinheiro com eles? Isso eu não fiz, a única maneira de me tirarem daqui é dizendo que eu estou com Alzheimer, por isso não falo nem baixinho que Carnaval bom era o de antigamente…

…como o Carnaval em que conheci meu marido, me lembro perfeitamente, os detalhes, até a data. Nós já nos víamos na praia, mas eu era muito novinha, gostava de esportes, de correr, e ele era metido a intelectual, sempre lendo ou escrevendo, mesmo na praia. No domingo antes do Carnaval ele me ofereceu um chopp, fiquei nervosa e não aceitei. Na semana seguinte, no bloco, aceitei o chopp, ficamos conversando, minhas amigas acharam ele feio e bobo mas ele era tão engraçado e carinhoso que ficamos juntos o Carnaval inteiro, depois noivamos, casamos quando ele terminou a faculdade de Letras, tudo no devido tempo… Não esqueço mesmo aquele Carnaval, o Monobloco, o ano é fácil de lembrar, foi o ano em que o tempo mudou de vez, verão quente que não acabava, o gelo derreteu e o mar subiu, de repente, o Rio invadido pela água, dizem que ficou mais bonito ainda, eu não acho. Fácil lembrar, eu tinha 18 anos em 2010, hoje tenho quase 100 mas vou resistir, mesmo que não possa dividir com ninguém minhas lembranças ou que os pestinhas tenham deletado todas as minhas fotos.

Holden

15 Comentários »

  1. Holden,
    Entendo que há dias em que não estamos a fim de ouvir críticas.
    No entanto, a melhor maneira de mostramos o nosso descontentamento com as críticas, que não gostamos, é revidarmos, imediatamente, no comentários ou até mesmo em sala de aula como você fez.
    Como o curso é curto e dispomos de pouco tempo para exercitarmos nossa escrita, você poderia ter aproveitado para aprimorar o seu talento, que é inegável, com este tema. Garanto que se sairia muito bem.
    Ao invés disso optou por um texto, a priori bem escrito , mas pobre de idéias e sem sentido, claramente provocativo, sem nenhuma sutileza.
    O que pensou que seria um tapa na cara com luva de pelica, na verdade foi um soco na cara com luva de boxe.
    Não desperdice essa sua maravilhosa energia, tenha certeza de que a melhor resposta é tentar fazer o Melhor.
    E não fique brava comigo,
    Sua admiradora secreta.
    Elizalinda da Silva

    Comentário por Anônimo — fevereiro 12, 2010 @ 3:49 pm | Responder

    • Desculpe, o comentário saiu como anônimo.

      Comentário por Elizalinda da Silva — fevereiro 12, 2010 @ 4:32 pm | Responder

    • Prezada Elizalinda,
      Como também sou seu fã, permita-me discordar de sua análise, esclarecendo alguns pontos:
      1- PERSONAGEM diferente de AUTOR. Nem todo texto é autobiográfico. Eu não sou Madame Bovary.
      Na primeira crônica, minha ideia foi de uma leitura bem superficial do manifesto, e com isso criei um personagem: um estudante, jovem, muito disperso, com a testosterona própria da idade, preocupado em fazer o seu dever de casa mas mais preocupado ainda mais em viver sua vida, à procura de uma companheira. Um pouco bobo até, ou ingênuo. Com uma grande auto-estima: embora ele não tenha compreendido verdadeiramente o manifesto, acha que seu texto está bom, precisa apenas de uma revisão; embora ele leve fora das mulheres, sempre acha que vai ser bem sucedido na próxima; embora perca o netbook que ainda nem terminou de pagar, acha tudo bem pois, na confusão, não pagou os chopps que bebeu… Conheço pessoas com algumas destas características, mas o meu personagem é uma mistura destas pessoas, não é 100% nenhuma delas, e muito menos me representa; eu sou muito diferente dele, na personalidade e nas experiências de vida. Ele é machista? na medida em que este tipo de pessoa (jovem, brasileiro, zona sul, classe média, superficial) é machista; mas ele ama as mulheres, quer ficar com uma mulher, certamente não é um misógeno e muito menos um estuprador; suas abordagens são divertidas, ele não insiste, não agride, não puxa o cabelo das meninas etc.
      2- As críticas feitas ao personagem não me atingiram, pessoalmente, já que eu tenho esta consciência de que ele, embora uma criação minha, tem vida independente de mim. E ao apresentar um personagem não estou automaticamente concordando ou exaltando as características dele. Para mim literatura não é panfleto ideológico, o realismo soviético já acabou.
      Durante o debate na sala fiquei um pouco chocado ao perceber que alguns colegas faziam esta confusão entre autor e personagem, e me acusaram (o autor) de politicamente incorreto, de machista e mesmo de gay enrustido. Pela necessidade de manter o sigilo do pseudônimo, preferi não me manifestar sobre esta diferença entre autor e personagem, até por que outros colegas e mesmo o Felipe o fizeram. Depois do meu choque inicial, essas críticas ao personagem foram lidas por mim como elogios ao autor, ou seja, eu fui tão convincente na criação deste personagem que ele se tornou quase real, um ser vivo, polêmico.
      3- Portanto, não houve nenhuma intenção minha em usar o segundo texto para revidar. Neste texto eu usei a ideia de atemporalidade para brincar com a idealização de que tudo bom era o do tempo passado, com bem notou Jean-Paul. A partir daí, busquei uma personagem bem diferente do anterior (e também muito diferente de mim): uma velha, solitária, na defensiva, meio irascível (os pestinhas dos bisnetos), que lembra seu passado onde era (será que era mesmo?) uma mocinha ingênua, feliz, em um Rio maravilhoso, “de antigamente”. No parágrafo final, onde está a chave do texto ao mostrar que este Rio de antigamente na verdade é o Rio de hoje, resolvi, como um “link”com o outro texto, sugerir (sugeri apenas, se você reler vai notar que a ligação é tênue, está apenas em um chopp oferecido e recusado) que o namorado e depois marido da personagem poderia ser o personagem da crônica anterior. Também acho que, caso o personegem da primeira crônica seja realmente, sem sombra de dúvida, o namorado da menina, o fato dela ter uma visão romântica dele, tanto tempo depois, poderia ser também apenas outra visão idealizada da velhinha; ou não, poderia ser também uma evolução, um amadurecimento daquele jovem superficial; minha intenção foi deixar estas e outras questões em aberto, até pelo limite de 3500 caracteres.
      5- Concordo com você que é curso é curto, isso é uma pena, pois acredito que se tivéssemos tempo de nos conhecer melhor alguns equívocos ou mal entendidos logo seriam esclarecidos ou nem chegariam a existir.
      grande abraço
      Holden (melhor seria Salinger)

      Comentário por Holden — fevereiro 13, 2010 @ 4:53 pm | Responder

      • Engraçado, não vi no texto uma provocação, nem luva, de pelica ou de boxe. O que houve na aula passada, desencadeado pelo texto do Holden, foi um debate sobre até que ponto se deve usar os estereótipos da nossa sociedade na literatura, ou até que ponto seria bom esse “movimento pelo políticamente incorreto”, que já é vitorioso em toda parte, imperar também na literatura. Acho que a discussão se afastou de uma crítica à crônica do Holden. Vale lembrar, no entanto, que o personagem do texto anterior era o narrador, e era identificado com alguém que estava participando da oficina. Se não era o Holden, quem era? Queiramos ou não, principalmente se não usamos a terceira pessoa e a fala do personagem com travessão e aspas, podemos acabar sendo confundidos com ele. Diante das críticas, podemos simplesmente assumir, como Flaubert( “Madame Bovary c”est moi”) ou esclarecer, como o Holden fez na aula e reitera aqui (” Eu não sou Madame Bovary”).

        Comentário por Emma — fevereiro 14, 2010 @ 11:00 am

      • Eu também não vi provocação no texto. Agora, respondendo a um comntário que está em algum lugar desta crônica. Descordo completamente de que escrever na primeira pessoa dê pistas de que o texto seja auto-biográfico. Ao contrário, é simplesmente uma ténica de escrita. Que eu adoro, por exemplo. Já escrevi na primeira pessoa como homem, tentando de fato usar expressões masculinas, e no entanto sou mulher (na vida real, digamos assim). E isto não tem qualquer relação com a minha personalidade, é muito mais um modo de explorar possibilidades de expressão/escrita. Acho que o que aconteceu na aula anterior é que o comportamento da personagem realmente despertou paixões entre nós: não paixões no sentido afetivo/sexual, é lógico, mas paixões de idéias, posturas de vida. E se parte de nós ficou tão indinada com o comportamento do rapaz é porque a personagem foi bem escrita, verossímil. Todos nós conhecemos criaturas assim, tenho certeza. E garanto que a maioria dos meninos da sala já se comportou assim um dia, ou não?
        beijo
        Salomé

        Comentário por Salomé — fevereiro 18, 2010 @ 3:50 pm

  2. Gostei muito da idéia de relativizar esse lance de idealização do passado. Há cinquenta anos provavelmente se dizia que o passado era melhor. Hoje se tem saudade daquele tempo. Colocando a história daqui a cinquenta anos, Holden mostra a personagem idealizando os dias de hoje. Supimpa! Pobre de quem não vê que o bom é aqui e agora…

    Comentário por Jean-Paul da Silva — fevereiro 12, 2010 @ 4:10 pm | Responder

    • Prezado Jean-Paul, obrigado pelo comentário, é exatamente isso que pretendi, mostrar que o bom está no aqui e agora e que todo passado é idealizado mas é passado, acabou…
      abraço
      Holden

      Comentário por Holden — fevereiro 13, 2010 @ 4:55 pm | Responder

  3. Antes do fim do texto pensei que a personagem fosse a prima da Dona Noca, tadinha, ficou viúva tão cedo…Só depois que entendi que quem escreve é a neta!
    Também gostei do jogo que fez com o tempo do texto. A idéia do convite para um chopp dá pistas do presente, boa sacada.
    Salomé

    Comentário por Salomé — fevereiro 12, 2010 @ 7:24 pm | Responder

    • Salomé, embora a personagem seja uma velha como a D.Noca do gato, ela é bem diferente em sua solidão… obrigado pelo comentário
      abraço
      Holden

      Comentário por Holden — fevereiro 13, 2010 @ 4:57 pm | Responder

  4. Eu gostei da ideia de que o antigo era sempre melhor, mas não gostei da maneira que você apresentou o tempo presente, achei muito súbito, como se você tivesse dado um jeitinho de encaixar a ideia.

    Comentário por Joyce de Almeida Cunha — fevereiro 12, 2010 @ 8:59 pm | Responder

  5. Joyce,
    Concordo com você que o final talvez tenha ficado meio “matado”, o limite de 3500 caracteres e o pouco tempo para trabalhar o texto me prejudicaram um pouco. A ideia já havia sido pensada desde o início, acho que o que faltou foi uma “gradação”, algo do tipo ir inserindo “pistas” nos parágrafos anteriores, e as “pistas”ficando cada vez mais fortes até a revelação final. Depois, com mais calma, vou tentar reescrever o texto para ver se consigo este efeito.
    Obrigado pelo comentário
    abraço
    Holden

    Comentário por Holden — fevereiro 13, 2010 @ 5:02 pm | Responder

  6. A ideia do texto é boa. Com a grande imaginação do Holden e uma pequena revisão vai ficar ótimo. Quanto à polêmica, minha visão é parecida com a da Salomé. Mas reitero que não vi maiores problemas de “incorreção política” no texto anterior (e a voz “do personagem” ficou evidente para mim).

    Esse debate remete à autobiografia na ficção (e vice-versa). Relaciono algumas frases e ideias (alheias) a respeito:
    -Segundo Edgar Morin, o processo de “projeção-identificação” entre o real e o imaginário teve início a partir do romance burguês do século XIX (Madame Bovary seria um momento emblemático nesse processo, no qual o “eu” do autor e o “eu” do herói se confundem).
    -Para David Lodge, “as obras descrevem, por trás do disfarce da ficção, a densa especificidade da experiência pessoal”.
    -Antonio Candido afirma que “sentimos sempre um certo esqueleto de realidade escorando os arrancos da fantasia”, e a projeção no plano da arte pode ser consciente ou inconsciente.

    Ou seja, de alguma forma nos projetamos no que escrevemos, mas essa projeção pode não ser óbvia. A fala de um personagem pode não ser a nossa, embora a ficção como um todo contenha muitas das nossas vivências e crenças (assim como nossa visão crítica, e até o que detestamos, por que não?). Podemos colocar na boca de um personagem algo que nos incomoda.

    Já a discussão sobre o “politicamente incorreto” na literatura remete à verossimilhança na ficção e às contradições do ser humano. Será possível compor bem um personagem (com todas as suas facetas e nuances) tendo em mente as amarras do politicamente correto? Ninguém é “politicamente correto” sempre e em tudo, por mais que se esforce. Imaginem uma ficção só com “Pollyannas” e “Madres Teresas”. O título seria “Vida no Paraíso”…
    Outra questão a considerar: o “incorreto” pode ser usado (e quase sempre é) para criticar o que expressa (o oposto de fazer apologia).
    Além disso, acredito que só a liberdade permite a expressão “verdadeira” de cada um. Patrulhamentos costumam gerar aberrações e muita hipocrisia… Claro que existe o risco do “incorreto” agradar e perpetuar preconceitos (justa preocupação de quem o rejeita), mas o mercado editorial é duro e o leitor tem discernimento, não é preciso patrulhar o autor. Se o sujeito for considerado um “horror” (de tão “incorreto”), grande chance de ficar à míngua (= sem leitores)…

    Acho que esta frase de Graciliano Ramos resume bem os temas do debate: “Nunca pude sair de mim mesmo. Só posso escrever o que sou. E se as personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só”.

    Comentário por Da Mata — fevereiro 19, 2010 @ 12:48 pm | Responder

  7. A “experiência pessoal” projetada na literatura deveria ser interpretada no sentido lato: não só o que a pessoa efetivamente viveu, mas também o que observou. Acho que “pessoal” não deve ser confundido com “autobiográfico”.

    Comentário por Da Mata — fevereiro 20, 2010 @ 8:55 pm | Responder

  8. Caro Holden,

    Gostei muito do seu texto anterior, mas senti que o prazo e o limite de caracteres podem ter atrapalhado esse aqui. Gostaria de ver uma versão mais expandida dele, no futuro. Eu jogaria a história de como o casal se conheceu para cima, junto à primeira referência ao evento. Gostei dessa personagem e acho que vale a pena explorá-la mais a fundo.

    Comentário por João Cândido — fevereiro 22, 2010 @ 4:03 pm | Responder

  9. e muito bom porque nese sate e muito melhor para fazer trabalho

    Comentário por richard romao esteves da silva — fevereiro 10, 2012 @ 9:44 pm | Responder


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